domingo, 27 de maio de 2012

O Globo: De dez candidatos que passam nos concursos para a UFRJ, seis abandonam o emprego.


Antigo sonho de carreira dos brasileiros tem um dos piores salários do serviço público federal

RIO - Maior celeiro de cientistas do país — com mais de 120 laboratórios nas mais diversas áreas do conhecimento — e um movimento diário de cerca de cem mil pessoas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vive hoje um perigoso processo de esvaziamento de seus quadros permanentes: a cada dez candidatos que passam nos concursos que a instituição promove para preencher postos técnico-administrativos, seis desistem do emprego antes ou pouco depois de ser empossados. O que já foi o sonho de carreira de muitos brasileiros é hoje um dos piores salários, se não o pior, do serviço público da federação.

Não bastasse a fuga de seus profissionais, até mesmo o prédio do Centro de Ciências da Saúde (CCS), no campus do Fundão — um dos lugares mais importantes para o desenvolvimento da medicina no país —, vive hoje sob os escombros de décadas de falta de investimentos. Rachaduras, infiltrações, piques de luz e até um início de incêndio, ocorrido no início de dezembro no Centro Acadêmico, deram ao CCS o cruel apelido de “maior favela de cientistas do mundo”.
— A situação é realmente antagônica. Ao mesmo tempo em que a estrutura é muito precária, ali é um celeiro de ideias e de inovações científicas — avalia o reitor da UFRJ, professor Carlos Antônio Levi da Conceição.
Já o Hospital Universitário Clementino Fraga teve parte de sua estrutura interditada por risco de desabamento.
Problema também atinge quadro de docentes
Segundo o reitor, a evasão de servidores atinge todas as instituições federais de ensino superior. No entanto, é mais grave na UFRJ.
— Os problemas aqui são agudos, com diversos níveis de repercussão — diz, acrescentando que as dificuldades são fruto de mais de dez anos sem concursos. — A década de 90 foi trágica para a UFRJ. Estamos pagando a conta de dois processos de degradação: dos recursos humanos e das instalações físicas.
Segundo o pró-reitor de Recursos Humanos da universidade, Roberto Gambine, só no último concurso, de 800 aprovados, 300 desistiram do emprego ainda antes do final do treinamento e outros 180 sequer se apresentaram. A UFRJ também está tendo dificuldades para conseguir docentes para determinados setores, como é o caso da Faculdade de Medicina de Macaé. Na contramão do problema, a instituição está em pleno processo de expansão de sua capacidade de ensino, que saltou de seis mil alunos por ano, em 2007, para dez mil, em 2012.
— Se não forem feitas mudanças urgentes, a situação ainda pode piorar, porque, com a perspectiva de mudanças no sistema de previdência do serviço público, também aumentou a procura pela aposentadoria por tempo de serviço — alertou Gambine.
Em 2011, foram apresentados 80 pedidos de aposentadoria. Este ano, até abril, já foram 60.
Segundo o pró-reitor, salários pouco competitivos e a falta de um plano de carreira são os principais entraves para a regularização da situação. Ele explicou que as cinco categorias de servidores técnico-administrativos das instituições federais de ensino superior têm salários básicos entre R$ 1.820 e R$ 2.980 (para técnicos de nível superior).
— Ao final de 30 anos de carreira e cursos de aperfeiçoamento, eles receberão no máximo R$ 5.650. Os profissionais, principalmente os jovens, só ficam até ser aprovados em outros concursos. Não conseguimos mantê-los — diz Gambine.
Ele conta que, até 2008, a situação era ainda pior, devido à dificuldade de se fazer concursos nas instituições federais de ensino superior. Essas seleções dependiam de autorização do Ministério do Planejamento. Mas a criação de programas de reposição automática de vagas abertas por aposentadoria, demissão ou morte garantiu a essas instituições autonomia para contratar. A necessidade agora é de criar instrumentos para garantir a permanência dos quadros.
— Para se ter uma ideia, no concurso para a contratação de um engenheiro para os projetos que estamos realizando, houve apenas um inscrito. Se ele desistir, teremos que fazer um novo concurso — diz o pró-reitor.


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